domingo, 20 de dezembro de 2020

Mais três meses...

Há exactamente três meses, lamentava-me eu aqui dos 67176 casos e 1888 óbitos CoVid-19 verificados até essa data, e da falta de informação existente sobre o que acontece aos internados, nomeadamente por que porta saem do hospital, se pela porta principal ou pela porta da casa mortuária. 
Hoje os números são outros, estão confirmados 370787 casos e 6063 óbitos, absolutamente imprevisíveis há três meses, mas as controvérsias continuam. São todos CoVid-19? Há uma caça ao assintomático? E os óbitos, estarão bem classificados? E a estratégia da Suécia já não é inteligente?


Se olharmos para esta figura, a vaga de Abril já parece insignificante, a vaga de Novembro parece estar a passar, apesar do número de óbitos continuar renitentemente elevado, e aguardamos que uma vacina nos venha ajudar a vencer uma terceira vaga, no primeiro trimestre de 2021.
O vírus, esse, continua diariamente a aproveitar oportunidades para encontrar novos hospedeiros, indiferente a todas as teorias. As leis do contágio são muito simples, e quando uma pessoa infectada e outra não infectada se encontram, só há dois resultados possíveis, não haver contágio ou ficarem os dois infectados. A situação epidemiológica nunca melhora, qual pingo de tinta num prato de leite.
Uma das situações mais perigosa é a das viagens, e já se sabe que em Fevereiro/Março foram as viagens de avião que transportaram o vírus de Wuhan para Milão e de Milão para nomeadamente o Norte de Portugal. Um passageiro infectado, antes de ter sintomas, vai encontrar-se com muitas pessoas, e dar ao vírus muitas oportunidades de saltar para novos hospedeiros, que por sua vez o vão transportar para outros ambientes, e assim sucessivamente.


Se somarmos os indivíduos infectados mais os contactos em vigilância hoje, contam-se mais de 450000 pessoas, que não sabemos se ficaram imunizados, nem por quanto tempo, e admite-se que haja bastantes mais que já tiveram contacto com o vírus, sem o saberem.
A vacina, as vacinas, serão a solução, não porque eliminem o vírus, mas porque o podem tornar mais inofensivo, através da preparação do nosso sistema imunitário para se defender do vírus caso ele tente penetrar no nosso corpo.
Vai demorar uns meses largos até chegarmos a uma percentagem de população vacinada que nos dê segurança.
Até lá, a regra é reduzir contactos ao mínimo e reduzir a possibilidade de contágio.

sábado, 19 de setembro de 2020

Andamos há seis meses nisto, e?...

Estou farto de números errados, mal explicados, absolutos, relativos, em percentagem, escalas lineares e escalas logarítmicas, gráficos difíceis de ler, com muita informação, sem informação, sem unidades, sem escalas, por parte de gente que se julga influente, que comenta nas TVs, que diz tudo e o seu contrário.
Gosto de olhar para os números da pandemia de um lado positivo, nomeadamente através deste gráfico:

Casos confirmados e internados em hospitais

Os casos confirmados são a média móvel de 7 dias, para filtrar as variações semanais devidas a circunstâncias externas, e os internamentos, são as camas  ocupadas em cada dia, sendo certo que cada paciente ocupa uma cama por um número indeterminado de dias. Assim, sabemos que até esta data houve 67176 casos confirmados, mas não sabemos quantos desses estiveram internados, em enfermaria ou em cuidados intensivos, nem quantas dos 1888 mortes ocorreram num hospital, ou se a diminuição do número de internados se deve por vezes a cura ou a morte de pacientes...
Sabemos também comparar o número de casos confirmados como número de mortes

Casos e mortes, médias móveis de 7 dias

Estas duas figuras permitem afirmar que, estando nós próximos, e podendo mesmo brevemente ultrapassar o número de casos verificado no final de Março e início de Abril, os números que mais contam, os números de internados e de mortes, parecem mais dominados, permitindo pensar que podemos ultrapassar sem grandes problemas essa fase. Uma duplicação do número de casos nos próximos dias pode mesmo não constituir um enorme problema...
O que é essencial? Por uma lado, aplicarmos as respostas que agora sabemos serem mais eficientes e menos agressivas para os infectados, mais antivirais e anticoagulantes, e menos ventiladores, talvez (com a minha ignorância), e por outro dificultarmos a vida ao vírus, obviamente, percebermos que o vírus é transportado por humanos e que, portanto, o número de contágios depende do número de contactos que cada um tem e da proximidade desses contactos - uma cotovelada é diferente de um abraço forte...
Já aprendemos grande parte dessas lições: usar máscaras, lavar as mãos, reduzir contactos sociais, ajudam, e muito.
E reduzir o número de contactos, o que já está a acontecer...

segunda-feira, 20 de julho de 2020

A força de uma imagem

O ECDC - European Centre for Disease Prevention and Control publica regularmente umas tabelas com os dados acumulados nos últimos 14 dias de casos CoVid-19 e de mortes causadas pelo CoVid-19, por 100 mil habitantes.
Sendo o ECDC uma agência da União Europeia, os seus dados são importantes e usados para a tomada de decisões no que ao CoVid-19 diz respeito.
Há uns dias, precisamente no dia 18, traduzi a tabela num gráfico XY, e publiquei esse gráfico com o comentário de que em qualquer das dimensões somos o terceiro pior dos 31 países considerados... (uma verdade)


Este gráfico foi partilhado por pessoa amiga no Facebook, e gerou alguns comentários alucinantes, que transcrevo sem mais comentários: "E a Bélgica, não aparece?", "As abcissas estão corrigidas pelo nº de teste por 100k habitantes? Por exemplo na Suécia andam a testar como se não houvesse amanhã, e anda a morrer pouca gente, ocupação de UCIs a descer vertiginosamente, nem surtos nem COVID parties - o pessoal está melhor da cabeça.", "Esse gráfico é FAKE não está no Link", "Já te perguntastes porque é que o Luxemburgo é o pior nos eixos dos x? Será que é mesmo o pior?", "Acho que está é incompleto... Cortaram na parte superior do eixo das mortes por 100k hab... Há vários países acima da Suécia nesse indicador se não estou em erro, Bélgica sendo um deles... Já não é o primeiro gráfico parcial que vejo a circular....".
Deixo a cada um as suas conclusões, fico-me com a constatação de que uma imagem é mais eloquente que muitos números alinhados em tabelas...

domingo, 10 de maio de 2020

R índice 0 e R índice t

Não sou epidemiologista, nem matemático, mas estudo sistemas complexos, sistemas com grande número de variáveis e de relações, e formas de os analisar.
Interesso-me especialmente por sistemas sociais complexos, envolvendo actores humanos, cada um decidindo pela sua cabeça, tendo em conta as suas crenças, os seus desejos e as suas intenções.
O contágio numa população, seja de uma doença ou de uma ideia, é um problema complexo, envolvendo muitas variáveis difíceis de controlar, como hoje todos percebemos olhando para a pandemia do CoVid-19.
E todos, políticos, jornalistas, comentadores, falam do R0 como se fosse uma entidade do conhecimento geral, algo de trivial que temos a obrigação de conhecer e entender.
Mas basta assistir às perguntas numa conferência de imprensa da DGS para se perceber que o conhecimento é parco.
Claro que há literatura e documentação, até em Português, cuja leitura seria útil para melhorar a informação que nos é servida à hora do almoço, mas aparentemente isso pouco interessa.
Uma fonte muito útil, em português legível, é o blogue de Tiago Charters de Azevedo, doutorado em Física-Matemática, professor do ISEL, que trata destes e de outros assuntos de uma forma acessível a todos. (ver fonte i))
Encontrei neste blogue a figura seguinte (entre muitas outras)


que mostra a evolução da taxa de transmissão R ao longo do tempo na região Norte. Pois claro! R0 é o valor de R no momento 0 e Rt é o valor de R no momento t. t é o índice.
E como se calcula este Rt, o valor actualizado da taxa de transmissão no momento t? Como sabemos, em média, quantos contágios provoca um infectado no dia t?
Curiosamente, um dos artigos mais citados para este cálculo tem um dedo português, ou melhor, dois, de Luís Bettencourt, membro do Santa Fe Institute, e Ruy Ribeiro, actualmente director do Laboratório de Biomatemática da FMUL. (ver fonte ii))
O cálculo é complexo, e recursivo, tem de assumir qual será o tempo característico de propagação (TCA assume 7 dias) e a partir daí fazer uma estimativa de Rt com base no número de casos do dia t e no histórico anterior, usando (mais fácil dizer que fazer...) probabilidades condicionadas, as velhas fórmulas de Bayes.
Um fonte de inspiração será o código publicado por Kevin Systrom (fonte iii)).
Fica aqui um desafio...
Fontes:
i) Tiago Charters de Azevedo, Rt: previsões para que te quero (2020)
ii) Bettencourt LMA, Ribeiro RM (2008) Real Time Bayesian Estimation of the Epidemic Potential of Emerging Infectious Diseases. PLoS ONE 3(5): e2185. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0002185

sábado, 9 de maio de 2020

CoVid-19 update Europa

Agora que há a percepção de que o Coronavírus viajou para a Europa via Milão, a cidade das feiras, e possivelmente via outras cidades da Europa central devido às férias do Ano Novo Chinês que muitos vieram passar junto das comunidades emigrantes, e que se disseminou devido às férias na neve, à Liga dos Campeões, aos concertos, às manifestações, e principalmente devido a uma tardia imposição do isolamento social que permitiria pelo menos parar para pensar, chegou a hora de olhar para as ondas que atravessaram alguns dos países.
Esta figura mostra os casos por dia e por milhão de habitantes em sete países europeus:


Os dados são os obtidos do Worldometers, e mostram bem, por um lado, que estas primeiras ondas estarão a passar, e por outro, que nos últimos dias Espanha e Portugal têm sobressaído negativamente a este respeito, talvez por algum facilitismo característico dos povos ibéricos...
A Grécia, por outro lado, tem números que são um décimo dos números dos outros países, o que é notável.
Também é possível relacionar os números de casos com o número de óbitos, neste caso de todos os países europeus com mais de 1000 casos. São trinta e cinco, no total, e a sua localização neste espaço bidimensional


revela a existência de um numeroso grupo de países, entre os quais Portugal, que ficaram abaixo dos 3000 casos e dos 200 mortos por um milhão de habitantes, enquanto que apenas onze estão fora deste grupo.
Caso para pensar...
Fontes:
i) Worldometers

CoVid-19 update Portugal

Vou manter aqui, com alguns comentários, gráficos e mapas actualizados sobre a evolução da pandemia em Portugal e no mundo, bem como alguns apontadores para os sítios que considero mais úteis para quem gosta de fazer as suas próprias previsões e tomar as suas próprias decisões, independentemente das sugestões das autoridades, que temos o dever de obedecer, mas não de seguir...
O meu primeiro gráfico é sempre o dos casos diários acumulados c(n) e das suas variações:


A azul estão os casos diários d(n) = c(n) - c(n-1) e a verde a variação de casos diários entre dois dias consecutivos v(n) = d(n) - d(n-1), ambos com valores na escala da direita.
Os casos diários sofrem de um variabilidade semanal, dias com mais ou menos testes, dias com mais ou menos registos, de forma que uma média móvel semanal do número de casos pode filtrar certos fenómenos ruidosos com frequência semanal:


Nesta figura estão os casos diários do gráfico anterior, agora sob a forma de barras e uma linha azul que representa a referida média móvel a sete dias, que claramente exprime melhor uma tendência.
Outro gráfico que produzo regularmente é o dos casos acumulados por região, sendo aqui visível que cerca de 60% dos casos a nível nacional ocorrem na região Norte


Naturalmente, dos doze concelhos com mais de 500 casos, dois estão na região de Lisboa e Vale do Tejo, dois na região Centro e os restantes oito na região Norte


Nesta representação, o eixo horizontal representa casos/1M de habitantes e o eixo vertical representa casos/km2, enquanto que o tamanho dos discos é proporcional ao número absoluto de casos.
Cada um saberá interpretar esta representação.
Fontes:
ii) DSSG-PT Github

quarta-feira, 18 de março de 2020

Coronavírus

E de repente o mundo inteiro é uma enorme rede de contágio. Uma rede com 7800 milhões de vértices, em que, desta vez, o que conta é a proximidade física e não a ligação virtual.
Um vírus novo salta de um animal para um humano, talvez num mercado de Wuhan, uma cidade chinesa na província de Hubei e depois alastra por todo o mundo de uma forma imparável, saltando de humano para humano, viajando nos transportes públicos, nos aviões, nos navios de cruzeiro, de tal modo que em três meses chegou aos cinco continentes.


Hoje, são mais de 205000 os infectados, e já são mais os casos activos na Europa que no resto do mundo! Um estilo de vida que se baseia muito no contacto social é o cenário ideal para a propagação do vírus. Uma festa, uma conferência, um evento desportivo, são uma oportunidade para o vírus saltar para umas dezenas de hospedeiros novos, que por sua vez vão contagiar outros, e outros, muito antes de serem detectados.
Há muitos dados publicados, muitas teorias sobre o que vai acontecer no futuro, mas gostava muito de saber onde cada um daqueles 205000 foi infectado e onde estava quando foi detectada a infecção. Estes mapas ajudariam muito a preparar as respostas dos sistemas de saúde e a retirar outras lições que os dados disponíveis de uma forma bruta não permitem.
Será que os sistemas de geo-referenciação da Google, do Facebook, ou das operadoras de telecomunicações, não podem libertar esses dados?