quarta-feira, 28 de maio de 2014

O velho e o novo

Durante muitos anos ninguém se interrogou sobre o facto de os automóveis serem todos iguais, e pretos. Era assim. Não se discutia. Até que se começou a discutir, e a pensar, e a automatizar a produção, e a criar um vínculo entre cada automóvel na linha de montagem e o seu futuro dono, de tal modo que hoje nos surpreendemos só de pensar que já não foi assim.
O mesmo com os sapatos, onde havia muito poucos modelos diferentes, porque uma linha de montagem de sapatos teria de produzir sapatos em número suficiente para amortizar cada colecção de cortantes, ou seja, umas boas cenenas de milhares. Até que apareceram as máquinas de corte por jacto de água, e lá se foram os cortantes, e todas essas restrições, podendo os sapatos agora ser produzidos ao gosto de cada cliente, sem grande aumento de custo.
E até no ensino, cada vez mais focado no aprender, no aluno, no "consumidor", e não no professor, no ensinar, no debitar das matérias do currículo nacional de uma forma mecanizada. Embora aqui ainda haja um longo caminho a percorrer até chegarmos à escola sem papéis, sem os velhos manuais, pesados, mal tratados, rabiscados pelos alunos, cheios de erros, a pedir que os substituam por manuais electrónicos, que se actualizam como qualquer aplicação para um tablet, que registam a actividade de cada um, que comparam, que avaliam as actividades propostas, que tratam individualmente cada aluno, de um modo personalizado, e colocam a cada um os desafios mais motivadores.
Na Internet, que passou em meia dúzia de anos dos velhos sítios com conteúdos gerados pelos seus criadores, para os novos espaços públicos onde os conteúdos são gerados pelos utilizadores, como no Facebook, onde cada um tem a sua cronologia e interage com quem quer, num espaço pessoal, seu, e em todas as aplicações de que gostamos.
Na organização do trabalho, em que a ideia de colaborar, de fazer em conjunto, uma coisa indefinida, uns escondidos atrás dos outros, foi substituída pelo conceito de cooperar, em que o objectivo é decomposto em tarefas que são distribuídas pela equipa, sabendo cada membro exactamente o que lhe compete fazer e como o sucesso do todo depende da sua parte.
Até no software, nos sistemas multi-agente, por exemplo.
Mas não é assim na política entre nós. Não nos propõem contratos claros entre eleitores e eleitos. Oferecem-nos listas, tudo a monte, em que não sabemos quem vai fazer o quê, ou representar quem.
E é por isso que, por toda a Europa, os cidadãos preferem propostas claras aos velhos partidos de massas, das listas, do tudo a monte, e é isso que tem de ser mudado. Que vai ser mudado, quer os partidos queiram quer não.
Talvvez construindo sobre os movimentos que aqui e agora vão emergindo, vão propondo caminhos novos.
Primárias abertas nos partidos. Porque não? Círculos uninominais. Quando? Qual é o medo?

domingo, 18 de maio de 2014

Dia 1 do pós-troika: tudo igual?

Não! Não está tudo igual. Está tudo pior. Porque ainda não começamos sequer a pensar como vamos recuperar da destruição da nossa agricultura e indústria tradicionais, em troca de uns milhões que foram parar a alguns bolsos, recuperar dos investimentos faraónicos permitidos pelo dinheiro fácil, e recuperar desta armadilha chamada Euro, destes quase trinta anos trágicos em que sonhamos que tudo seria possível como num milagre.
Entretanto, o mundo mudou e muda todos os dias, transformando-se rapidamente numa economia baseada na robotização, na automatização e no conhecimento, na substituição de postos de trabalho ocupados por pessoas menos qualificadas por máquinas, por soluções globais, que atravessam as fronteiras, sem que quem tem a obrigação de estar atento, os sindicatos em primeiro lugar, avance com soluções que tirem partido deste fenómeno para reduzir as horas ou os dias de trabalho semanal de cada trabalhador, que distribua o trabalho existente por todos os trabalhadores disponíveis, avaliando, remunerando melhor quem trabalha melhor, mas mantendo todos saudavelmente ocupados.
E tempo livre significa lazer, indústrias do lazer, novas actividades que poderão mudar a forma como trabalhamos e como usamos o nosso tempo livre, que terá de ser em formas de convívio entre os concidadãos, que contribuam para a construção de uma nova identidade, baseada nos conceitos fundadores da fraternidade e da soidariedade.
James Altucher aponta estes problemas no seu livro Choose Yourself, de que faz aqui uma breve apresentação

O problema é muito simples: cada um tem de fazer a sua própria escolha, tem de melhorar, tem de ter uma ideia por que lutar, um programa de vida. E o colectivo também. Não acredito que os actuais líderes dos dois maiores partidos sejam capazes de compreender sequer o problema. Basta-lhes salvar os seus lugares na máquina do Estado, por mais pobre que esteja ou seja.

sábado, 3 de maio de 2014

Precisamos de gente que pense

Admiro os "economistas", estes seres oriundos sabe-se lá de onde e que acham que a conta de dividir e a regra 3 simples chegam para entender o funcionamento do mundo, por mais complexo que aos outros pareça.
E se não resulta, obviamente que a culpa é dos outros, daqueles que passaram a consumir menos, ou que passaram a trabalhar menos, ou que perderam o emprego, e nunca do modelo simplificado que consideraram, um daqueles em que só se pode alterar uma variável de cada vez.
Qualquer pessoa sabe que se aumentarem os impostos o rendimento disponível diminui e o consumo também, podendo facilmente as receitas dos impostos diminuir, em vez de aumentar. Os "economistas" não.
Qualquer pessoa sabe que a receita para combater o desemprego não é de certeza aumentar o horário semanal daqueles que ainda têm emprego, mas precisamente o contrário. Os "economistas" não.
Qualquer pessoa sabe que a automatização, a robotização, a desmaterialização da economia, eliminam postos de trabalho com menor exigências de qualificação, e que as pessoas que os perdem só muito dificilmente encontrarão outro emprego na sua vida. Os "economistas", não. Não é com eles.
Qualquer pessoa sabe que deslocalizar a produção em massa de bens para países de mão de obra barata se vira a curto prazo contra os países que esvaziam o seu tecido produtivo. Os "economistas", esses não.
Não precisamos destes "economistas", mesmo que tenham ganho prémios Nobel, não precisamos de tantas opiniões sobre o que devíamos e não devíamos ter feito.
Precisamos de gente que pense pela sua cabeça, que tenha ideias credíveis, que tenha a noção de como as pessoas normais decidem e reagem, e que as mobilize, em nome da melhoria generalizada da qualidade de vida que está ao nosso alcance.
E devo dizer que não me parece muito complicado, para quem viu grandes mudanças como a fixação do salário mínimo nacional, como o fenómeno dos "retornados" ou como a reunificação da Alemanha. Que aconteceram porque ninguém pediu a opinião a nenhum economista... Haja coragem. Haja gente com coragem!