segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Corrigir erros com outros erros?

Se há exemplo dos malefícios de tentar corrigir um erro com outro erro, é o projecto MetroBus, do Porto.
Junto à Casa da Música
Como não sabemos como terá sido, vamos tentar reconstituir a sequência de decisões que conduziu ao descalabro actual, de que ninguém quer ser responsável.
Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
- ...
- Dava jeito termos um projecto para o PRR, com um valor que valha a pena, e que não dê muito trabalho. Vamos pensar nisso?
- ...
- Podíamos fazer uma linha nova entre a Boavista e a Praça do Império.
- Isso já temos!
- Mas é de autocarro, a nova vai ser um MetroBus. E a hidrogénio! 
- Então é só substituir os actuais autocarros.
- É uma linha de metro. Operada pelo Metro do Porto.
- Pensava que era pela STCP...
- Nada disso! E não vamos usar aquelas velhas paragens de circulação alternada na faixa central da avenida da Boavista. Vamos fazer umas paragens novas, mesmo no centro da via.
- Mas parece-me que não há espaço.
- Se não houver, reduz-se o espaço para os passeios e o outro tráfego desvia-se. Tem de ser.
- ...
- Mas pensando bem, a saída dos passageiros passa a fazer-se do lado esquerdo, ao contrário do normal. 
- Não há problema. Coloca-se no caderno de encargos que as portas são do lado esquerdo.
- E na avenida Marechal Gomes da Costa? Como se faz?
- Pomos os autocarros a circular na faixa da esquerda e colocam-se as paragens no jardim central.
- E achas que as pessoas aceitam isso?
- Encomendamos as paragens a um arquitecto de renome, e tudo se resolve.
Paragem de Serralves
- E o hidrogénio?
- Pedimos também financiamento para uma fábrica. Que vai ficar na Areosa.
- A sério?
- Sim. Já a prever a expansão do MetroBus.
- ...
- Vai chegar o primeiro veículo. Temos de experimentar.
- E o Metro do Porto já tem motoristas?
- Não. São os da STCP.
- ...
- Parece que os autocarros não conseguem fazer a inversão de marcha junto à Casa da Música...
- Nem me digas. O que vale é que vêm aí eleições autárquicas. Alguém há-de resolver!
- Não seria melhor desfazer aquilo tudo, e redesenhar a avenida, aproveitando para incluir uma ciclovia?
- Nem fales nisso. Ainda se lembram de redesenhar também a circulação nas avenidas atlânticas.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Revisitar a história

Alguns saberão da minha participação em certas lutas quer antes quer depois do 25 de Abril, desde o meu tempo de estudante, e depois docente da Faculdade de Engenharia.
Fiz parte do Conselho Directivo Provisório e do primeiro Conselho Directivo da FEUP depois da revolução de Abril, e, após a consagração da sua organização departamental, desempenhei em dois mandatos o cargo de Director do recém-criado Departamento de Engenharia Electrotécnica.
Composição do Conselho Directivo Provisório, Maio de 1974
Decorre neste momento na FEUP uma exposição intitulada A Velha Escola Morreu, e fui recentemente convidado a contar alguns dos episódios mais relevantes da época para integrar uma reportagem em vídeo que estará a ser elaborada.
Devo dizer que declinei o convite, não por não ter nada a testemunhar, mas por me ter apercebido que esta coisa de revisitar a história, mesmo a de uma simples instituição, acaba por ser uma operação de filtragem de factos do passado à luz do nosso conhecimento ou interesse presente, e que isso me incomoda.
E não tem nada a ver com considerações sobre a ideia de que a velha Escola morreu. Morreu? 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Inteligência humana

Viver em conjunto, mais de oito mil milhões de habitantes no planeta Terra, com tão poucos conflitos graves, sim, tão poucos, é uma dádiva que devemos agradecer aos nosso antepassados e ser capazes de preservar para o futuro.
Construir comunidades, que se formaram em espaços e tempos diferentes, que se foram descobrindo, que souberam resistir, melhor ou pior, a impulsos de conquista, de imposição de ideias, de crenças, de superioridade, descobrir outras comunidades, construir comunidades de comunidades, todas diferentes, cada uma com as suas tradições e com os seus valores, é um desafio de enorme dimensão.
Árvores...
Sendo certo que a superfície do planeta Terra se tem mantido mais ou menos constante, na verdade o número de habitantes tem crescido quase exponencialmente, ao mesmo tempo que o conhecimento e o domínio de tecnologias criou paradigmas de mobilidade e de comunicação que mudaram radicalmente o modo como as pessoas e as ideias se movem e propagam.
Vencidos os desafios da distância e do tempo, olhamos hoje para os desafios da informação e do conhecimento de uma forma radicalmente diferente, temos dado passos importantes na inteligência artificial, e estamos eventualmente nas vésperas da compreensão do essencial da inteligência humana.
Inteligência é a capacidade de interpretar, de prever, factos e comportamentos, de extrapolar, de criar, de modificar, de adaptar, de arriscar, e tem muito pouco a ver com a chamada aprendizagem automática, de que os computadores são capazes, tirando partido da sua capacidade de analisar sem fadiga um número infinitamente grande de situações.
Recordando Khaneman, "Thinking, fast and slow", nós, os humanos, somos capazes de tomar decisões rápidas, quando é preciso, e lentas quando tal se impõe.
Rede neuronal (imagem de Freepik)
O nosso cérebro será uma grande rede neuronal, em que as ligações físicas e químicas desempenham papeis fundamentais, e, hoje, líderes mundiais nestas áreas já apostam em componentes electrónicos baseados nestes conceitos vitais.
Falta saber qual a utilização que poderá ser dada a estas capacidades, se para bem da humanidade ou para a sua destruição, se seremos capazes de dobrar este Cabo da Boa Esperança, ou será este um Cabo das Tormentas.
Ainda não sabemos.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Amsterdam

Em 1972, era assistente eventual na FEUP, e fui destacado para acompanhar os alunos finalistas de Engenharia Electrotécnica na sua viagem de fim de curso, numa rota que incluía Inglaterra, Países Baixos (na altura, Holanda) e Bélgica.
O início da viagem coincidiu com uma reunião do chamado Grupo Português de Telecomunicações, na JNICT, que na altura secretariei, e a Faculdade concordou em pagar a minha viagem de avião até Londres, para me juntar ao grupo.
Curiosamente, a agência de viagens disse-me que era mais barato fazer a viagem Porto-Amsterdam com escala em Londres, e assim fiz.
Foto retirada da página do turismo dos Países Baixos
A minha bagagem seguiu no autocarro dos alunos, eu dei as minhas voltas e a meio da tarde fui até Heathrow, comprei o tradicional álcool na Free Shop, e apanhei o avião. Destino, Hotel Museum.
Em Schiphol, apresentei-me no controlo de passaportes, e o polícia de serviço pediu-me para lhe mostrar o bilhete de regresso.
Uau! Não tinha. E contei-lhe os factos. Um português, em 1972, sem bagagem, sem bilhete de regresso, a quer entrar na Holanda, com uma história de que ele não acreditou nem numa palavra...
Atendeu o resto da fila, e depois pediu-me que o acompanhasse ao gabinete.
Lá, expliquei mais uma vezes a minha situação, e ao fim de algumas tentativas consegui convencer um dos presentes a telefonar para o Hotel Museum, e confirmar as minhas palavras.
Alívio. O Hotel confirmou que estava à minha espera, e que até já lá estava o grupo.
Um dos polícias levou-me até ao transporte público, explicou-me a melhor maneira de chegar ao hotel, e despedimo-nos com um sorriso.
A triste imagem dos jovens portugueses, a tentar de todas as formas fugir de um regime que já se tornara insuportável. A minha qualidade de universitário tinha-me permitido pedir o adiamento da incorporação no serviço militar para o ano em que completasse 30 anos de idade, mas isso são outras histórias.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Dilemas I

A vida é feita de decisões, a maior parte delas aparentemente difíceis e irreversíveis.
Nós, que passamos pelo planeta Terra menos de dez décadas, em média, que somos um em oito mil milhões de habitantes vivos, ou um em cento e vinte mil milhões de habitantes passados e presentes, vivemos tempos dramáticos, como se tudo estivesse sobre os nossos ombros, como se cada decisão nossa pusesse em risco toda a humanidade.
É um facto que a evolução do planeta Terra e de todos os seres que nele habitam, depende das nossas decisões, actuais e passadas, de uma forma altamente complexa. Mas não só. 
Somos um pontinho no espaço.
A Terra e a Lua vistas da Cassini a orbitar em Saturno, a 1400 milhões de km, em 2017.
Mas sim, temos de tomar decisões, as melhores que soubermos, com o que sabemos.
Esta reflexão vem a propósito de uma conversa que segui hoje no X sobre o ensino das disciplinas básicas nos cursos universitários:
Devemos defender maior carga horária em disciplinas básicas porque elas que vão permitir que os alunos possam adaptar-se ao mercado de trabalho depois. Não adianta o plano de estudos tentar correr atrás do mercado. É com uma boa base que se dá segurança aos formandos.
Pensando tanto como discente quanto docente, este "detalhe" é extremamente relevante e complexo. É fundamental que uma base sólida seja construída durante a graduação, pois permite que cada um navegue no que o mercado estiver pedindo quando chegar a hora. 
- Mas como aluno é horrível ficar estudando conteúdos de base. É desestimulante, e não adianta dizerem que aquilo é importante.
A tendência actual, incrustada nas agências de acreditação e nas comissões de avaliação, é considerar que o plano de estudos e os conteúdos das unidades curriculares são importantíssimos, que a presença ou ausência de uma determinada matéria podem afectar de uma forma grave toda uma geração.
Sou dos que discordo, hoje e sempre, desde o tempo em que faltava às aulas teóricas para ir jogar bilhar no Latino ou no Ceuta, e era apanhado pelo professor, que não percebia o nosso desinteresse.
É a vida!

quarta-feira, 30 de agosto de 2023

After You!

"Please, you go first, I will go after you".
Estava a ouvir um milionésimo comentário sobre o caso Rubiales (já nem sei como se chama senhora) e achei-me a pensar se ainda será normal deixar a minha vizinha entrar à minha frente no elevador, ou se isso já é um claro sinal de um machismo incurável.
E de repente recordei-me de um episódio passado comigo no Hotel Mandarin Oriental, em Macau, em 1998, antes da devolução do território à China.
Hotel Mandarin Oriental, Macau, 1998
Quando descia do quarto até ao rés-do-chão, pelo elevador, era normal haver um grupo de hóspedes a querer entrar, mas sem usar o preceito de deixar em primeiro lugar saír as pessoas que o pretendiam, e depois entrar calmamente. E eu, "educadamente", lá me desviava para os deixar entrar mesmo antes de eu próprio sair.
Comentei isso com um amigo meu que já estava em Macau há algum tempo, que me explicou que tal comportamento até podia ser visto como ofensivo aos olhos desses hóspedes, que mais não faziam que responder ao seu desejo instintivo de uma pequena brincadeira inofensiva matinal, do tipo "vê se consegues sair antes de eu entrar"...
Nunca mais me esqueci, e sempre olho para os usos e costumes de todos os países como o resultado da sua própria história e vida.

quinta-feira, 23 de março de 2023

Pessoas livres, educadas e cultas

Gostava de viver num país de pessoas livres, educadas e cultas.
Pessoas livres, que pensem pelas suas cabeças, sem medos.
Educadas, que saibam como funciona uma comunidade, um país, e que respeitem a identidade dos outros.
E cultas, que dêem valor à educação e à cultura.
Tudo menos a cultura do dinheiro e do poder, ou do medo e da intimidação.