segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Revisitar a história

Alguns saberão da minha participação em certas lutas quer antes quer depois do 25 de Abril, desde o meu tempo de estudante, e depois docente da Faculdade de Engenharia.
Fiz parte do Conselho Directivo Provisório e do primeiro Conselho Directivo da FEUP depois da revolução de Abril, e, após a consagração da sua organização departamental, desempenhei em dois mandatos o cargo de Director do recém-criado Departamento de Engenharia Electrotécnica.
Composição do Conselho Directivo Provisório, Maio de 1974
Decorre neste momento na FEUP uma exposição intitulada A Velha Escola Morreu, e fui recentemente convidado a contar alguns dos episódios mais relevantes da época para integrar uma reportagem em vídeo que estará a ser elaborada.
Devo dizer que declinei o convite, não por não ter nada a testemunhar, mas por me ter apercebido que esta coisa de revisitar a história, mesmo a de uma simples instituição, acaba por ser uma operação de filtragem de factos do passado à luz do nosso conhecimento ou interesse presente, e que isso me incomoda.
E não tem nada a ver com considerações sobre a ideia de que a velha Escola morreu. Morreu? 

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Inteligência humana

Viver em conjunto, mais de oito mil milhões de habitantes no planeta Terra, com tão poucos conflitos graves, sim, tão poucos, é uma dádiva que devemos agradecer aos nosso antepassados e ser capazes de preservar para o futuro.
Construir comunidades, que se formaram em espaços e tempos diferentes, que se foram descobrindo, que souberam resistir, melhor ou pior, a impulsos de conquista, de imposição de ideias, de crenças, de superioridade, descobrir outras comunidades, construir comunidades de comunidades, todas diferentes, cada uma com as suas tradições e com os seus valores, é um desafio de enorme dimensão.
Árvores...
Sendo certo que a superfície do planeta Terra se tem mantido mais ou menos constante, na verdade o número de habitantes tem crescido quase exponencialmente, ao mesmo tempo que o conhecimento e o domínio de tecnologias criou paradigmas de mobilidade e de comunicação que mudaram radicalmente o modo como as pessoas e as ideias se movem e propagam.
Vencidos os desafios da distância e do tempo, olhamos hoje para os desafios da informação e do conhecimento de uma forma radicalmente diferente, temos dado passos importantes na inteligência artificial, e estamos eventualmente nas vésperas da compreensão do essencial da inteligência humana.
Inteligência é a capacidade de interpretar, de prever, factos e comportamentos, de extrapolar, de criar, de modificar, de adaptar, de arriscar, e tem muito pouco a ver com a chamada aprendizagem automática, de que os computadores são capazes, tirando partido da sua capacidade de analisar sem fadiga um número infinitamente grande de situações.
Recordando Khaneman, "Thinking, fast and slow", nós, os humanos, somos capazes de tomar decisões rápidas, quando é preciso, e lentas quando tal se impõe.
Rede neuronal (imagem de Freepik)
O nosso cérebro será uma grande rede neuronal, em que as ligações físicas e químicas desempenham papeis fundamentais, e, hoje, líderes mundiais nestas áreas já apostam em componentes electrónicos baseados nestes conceitos vitais.
Falta saber qual a utilização que poderá ser dada a estas capacidades, se para bem da humanidade ou para a sua destruição, se seremos capazes de dobrar este Cabo da Boa Esperança, ou será este um Cabo das Tormentas.
Ainda não sabemos.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Amsterdam

Em 1972, era assistente eventual na FEUP, e fui destacado para acompanhar os alunos finalistas de Engenharia Electrotécnica na sua viagem de fim de curso, numa rota que incluía Inglaterra, Países Baixos (na altura, Holanda) e Bélgica.
O início da viagem coincidiu com uma reunião do chamado Grupo Português de Telecomunicações, na JNICT, que na altura secretariei, e a Faculdade concordou em pagar a minha viagem de avião até Londres, para me juntar ao grupo.
Curiosamente, a agência de viagens disse-me que era mais barato fazer a viagem Porto-Amsterdam com escala em Londres, e assim fiz.
Foto retirada da página do turismo dos Países Baixos
A minha bagagem seguiu no autocarro dos alunos, eu dei as minhas voltas e a meio da tarde fui até Heathrow, comprei o tradicional álcool na Free Shop, e apanhei o avião. Destino, Hotel Museum.
Em Schiphol, apresentei-me no controlo de passaportes, e o polícia de serviço pediu-me para lhe mostrar o bilhete de regresso.
Uau! Não tinha. E contei-lhe os factos. Um português, em 1972, sem bagagem, sem bilhete de regresso, a quer entrar na Holanda, com uma história de que ele não acreditou nem numa palavra...
Atendeu o resto da fila, e depois pediu-me que o acompanhasse ao gabinete.
Lá, expliquei mais uma vezes a minha situação, e ao fim de algumas tentativas consegui convencer um dos presentes a telefonar para o Hotel Museum, e confirmar as minhas palavras.
Alívio. O Hotel confirmou que estava à minha espera, e que até já lá estava o grupo.
Um dos polícias levou-me até ao transporte público, explicou-me a melhor maneira de chegar ao hotel, e despedimo-nos com um sorriso.
A triste imagem dos jovens portugueses, a tentar de todas as formas fugir de um regime que já se tornara insuportável. A minha qualidade de universitário tinha-me permitido pedir o adiamento da incorporação no serviço militar para o ano em que completasse 30 anos de idade, mas isso são outras histórias.